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domingo, 12 de dezembro de 2010

A bicicleta

Este conto também é uma homenagem a 12 de dezembro, DIDA – Dia Internacional dos Direitos Animais. Mais informações em WWW.lugardeanimal.com

A bicicleta

Consagro ao mestre do ofício,
Tchecov, autor de contos sobre bichos.
I
Naquela manhã, após uma noite de sonhos ruins, Teodor Korzeniowski acordou pensando em como seria se fosse um urso. Era a primeira vez que lhe ocorria tal idéia. Desde muito jovem, Teodor desejou viver no mar, começou como marinheiro mercante e acabou fazendo navios para que outros navegassem. Aquele armador alemão de origem polonesa sabia que teria uma experiência e tanto pela frente. Korzeniowski esperava há muito por isto, seria o seu dia de caçador. Entediado com o sucesso de seus empreendimentos, decidiu que se arriscaria em alguma coisa diferente. Descobrira uma empresa polonesa, dirigida por despatriados germânicos – a Teodor agradou a coincidência - a firma Münchhausen Und Sohn era especializada em criar condições de caça, no seu habitat natural, em remotos recantos de florestas. Teodor sentiu-se seduzido, queria caçar um urso. Previdente, avaliou os equipamentos, bússola, mochila e um bom rifle, tudo germanicamente checado.
Todavia um pequeno senão poderia deixar por terra os planos do ex-homem do mar, Korzeniowski. Já não havia ursos naquela região da Europa, quanto mais para caça. Os nada escrupulosos senhores da casa Münchhausen Und Sohn não pestanejaram, arranjaram um velho urso. Dmitri, um jubilado animal que um circo russo doara à comunidade – Kindberg, um pequeno burgo próximo a um grande bosque onde aconteceria a cerimônia de caça.



II
Difícil foi para Dmitri adaptar-se à vida selvagem. Nascido no ambiente do circo, seu único contato com semelhante foi com sua mãe, a ursa Macha, que morreu cedo, ele ainda teve um irmão, Aliocha, que acabou sendo vendido para outro circo.
Dmitri só conhecia o pessoal do picadeiro, que lhe dava comida, alguma atenção e lhe cobrava em trabalho. Ele era artista, um urso que andava de bicicleta, atividade que exercia com uma grande habilidade e lhe rendia certo prestígio, em especial junto às crianças.
No primeiro dia na floresta onde iria pôr à prova seu instinto de caça, Teodor palmilhou, rastejou, encontrou excrementos que julgava ser do urso. Caçador de primeira viagem. A verdade é que, ao entardecer, julgou que era hora de preparar seu acampamento.
E foi por pouco que o homem e a fera não se encontraram. Uma apetitosa colméia atraíra Dmitri, enquanto que Teodor teve que buscar um recanto para atender um urgente chamado da natureza.
Acaso e prazo, pelo primeiro, Dmitri encontrou mel, enquanto Teodor tinha apenas dois dias para dar cabo de sua empreitada. Cai a noite sobre a floresta.

III
O alvorecer numa floresta é uma experiência a ser devida e divinamente compartilhada entre ex-ursos de circo e ex-marinheiros. Quem sempre desfruta deste instante é Josef Bruckner, campônio e músico. Um sujeito tido como um tanto rude, mas de uma comovente devoção à música. Naquele dia Bruckner teria que ir ao burgo de Kindberg a fim de comprar algumas partituras. Decidiu ir de bicicleta.
Estava o senhor Bruckner a andar de bicicleta, assobiando um tema de uma provável nova composição. Eis que não mais do que de repente, lhe aparece pela frente um urso, o susto foi enorme.
Ambos não estavam preparados para um súbito e encontro com este, de tal modo que, Josef Bruckner deixou a bicicleta e saiu em disparada. Por seu lado, Dmitri também ficou arisco, porém ao ver a bicicleta caída no chão não teve como não lembrar os velhos tempos de picadeiro.

Desconhecendo os prazeres do amor, uma vez que viveu em celibato circense, Dmitri, no entanto, não esquecera sua ursina habilidade de pedalar. Faceiro, saiu floresta a fora.
IV
Após outra noite de sonhos com tempestades marítimas e bússolas desnorteadas, Teodor Korzeniowski acordou pensando em lobos, não exatamente em algum lobo do mar; “o homem é o lobo do homem, o homem é o amigo-urso dos ursos”, justificou-se.
Teodor Korzeniowski com o rifle engatilhado e orelhas em pé, percorria o seu caminho em total solidão, exceto o crepúsculo, diria um poeta japonês.
Num aclive acentuado dá de cara com um urso descendo a ladeira, de bicicleta. Foi tal o susto que teve um mal súbito, tomba na terra o velho marinheiro. Não sem antes disparar a arma que portava.
Dmitri vinha alegre pela estrada, embriagado da nostalgia comum a todos ex-ursos de circo, chegou a ouvir os aplausos do público, em especial as crianças, e os até mesmo os acordes da banda. De súbito depara com aquele vulto. O urso nem teve tempo de reagir, caiu com bicicleta e tudo em uma vala da estrada.
De longe se ouviu um disparo e um revoar de pássaros, e novamente o silêncio.
Na manhã seguinte alguns funcionários da Münchhausen Und Sohn encontraram os dois corpos. Ambos morreram de susto recíproco.

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