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sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Que venha o tal de 2011

Perto do fim,
do outro lado da Terra
2010 já era
o tempo é uma dança
morre mais um ano
nasce outra esperança.

Bravo, belo e útil 2011 para todos nós.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

À guisa de um pósfácio

Penso que cabe redigir um pósfácio neste momento. Um pósfácio sobre o último texto que foi postado neste blog (12-12), “A bicicleta”. Essa narrativa tem me enchido a cabeça há mais ou menos um 16 anos. E é, com se costuma relatar nestas ocasiões, baseada em fatos reais, se verdadeira era a notícia que a originou.
Em 1994 trabalhava de editor de Internacional num jornal de Blumenau (SC), acho era um sábado pela manhã, ao preparar a edição de domingo, nos chega uma matéria da agência ANSA, procedente de Varsóvia (Polônia) dava conta desta história, tenho até hoje uma printer deste material, a versão era em espanhol. Não foi publicada na edição daquele domingo no Jornal de Santa Catarina.
Levei uns dez anos para escrever e quase outro tanto pra publicar pela primeira vez. (J.W.)
P.S. – Tal como escreveu Mario Quintana em O Anjo Malaquias, “... então, pra disfarçar, a gente faz literatura”... procurem toques sobre literatos e literatura que foram espraiados ao longo do bosque, digo do texto.

domingo, 12 de dezembro de 2010

A bicicleta

Este conto também é uma homenagem a 12 de dezembro, DIDA – Dia Internacional dos Direitos Animais. Mais informações em WWW.lugardeanimal.com

A bicicleta

Consagro ao mestre do ofício,
Tchecov, autor de contos sobre bichos.
I
Naquela manhã, após uma noite de sonhos ruins, Teodor Korzeniowski acordou pensando em como seria se fosse um urso. Era a primeira vez que lhe ocorria tal idéia. Desde muito jovem, Teodor desejou viver no mar, começou como marinheiro mercante e acabou fazendo navios para que outros navegassem. Aquele armador alemão de origem polonesa sabia que teria uma experiência e tanto pela frente. Korzeniowski esperava há muito por isto, seria o seu dia de caçador. Entediado com o sucesso de seus empreendimentos, decidiu que se arriscaria em alguma coisa diferente. Descobrira uma empresa polonesa, dirigida por despatriados germânicos – a Teodor agradou a coincidência - a firma Münchhausen Und Sohn era especializada em criar condições de caça, no seu habitat natural, em remotos recantos de florestas. Teodor sentiu-se seduzido, queria caçar um urso. Previdente, avaliou os equipamentos, bússola, mochila e um bom rifle, tudo germanicamente checado.
Todavia um pequeno senão poderia deixar por terra os planos do ex-homem do mar, Korzeniowski. Já não havia ursos naquela região da Europa, quanto mais para caça. Os nada escrupulosos senhores da casa Münchhausen Und Sohn não pestanejaram, arranjaram um velho urso. Dmitri, um jubilado animal que um circo russo doara à comunidade – Kindberg, um pequeno burgo próximo a um grande bosque onde aconteceria a cerimônia de caça.



II
Difícil foi para Dmitri adaptar-se à vida selvagem. Nascido no ambiente do circo, seu único contato com semelhante foi com sua mãe, a ursa Macha, que morreu cedo, ele ainda teve um irmão, Aliocha, que acabou sendo vendido para outro circo.
Dmitri só conhecia o pessoal do picadeiro, que lhe dava comida, alguma atenção e lhe cobrava em trabalho. Ele era artista, um urso que andava de bicicleta, atividade que exercia com uma grande habilidade e lhe rendia certo prestígio, em especial junto às crianças.
No primeiro dia na floresta onde iria pôr à prova seu instinto de caça, Teodor palmilhou, rastejou, encontrou excrementos que julgava ser do urso. Caçador de primeira viagem. A verdade é que, ao entardecer, julgou que era hora de preparar seu acampamento.
E foi por pouco que o homem e a fera não se encontraram. Uma apetitosa colméia atraíra Dmitri, enquanto que Teodor teve que buscar um recanto para atender um urgente chamado da natureza.
Acaso e prazo, pelo primeiro, Dmitri encontrou mel, enquanto Teodor tinha apenas dois dias para dar cabo de sua empreitada. Cai a noite sobre a floresta.

III
O alvorecer numa floresta é uma experiência a ser devida e divinamente compartilhada entre ex-ursos de circo e ex-marinheiros. Quem sempre desfruta deste instante é Josef Bruckner, campônio e músico. Um sujeito tido como um tanto rude, mas de uma comovente devoção à música. Naquele dia Bruckner teria que ir ao burgo de Kindberg a fim de comprar algumas partituras. Decidiu ir de bicicleta.
Estava o senhor Bruckner a andar de bicicleta, assobiando um tema de uma provável nova composição. Eis que não mais do que de repente, lhe aparece pela frente um urso, o susto foi enorme.
Ambos não estavam preparados para um súbito e encontro com este, de tal modo que, Josef Bruckner deixou a bicicleta e saiu em disparada. Por seu lado, Dmitri também ficou arisco, porém ao ver a bicicleta caída no chão não teve como não lembrar os velhos tempos de picadeiro.

Desconhecendo os prazeres do amor, uma vez que viveu em celibato circense, Dmitri, no entanto, não esquecera sua ursina habilidade de pedalar. Faceiro, saiu floresta a fora.
IV
Após outra noite de sonhos com tempestades marítimas e bússolas desnorteadas, Teodor Korzeniowski acordou pensando em lobos, não exatamente em algum lobo do mar; “o homem é o lobo do homem, o homem é o amigo-urso dos ursos”, justificou-se.
Teodor Korzeniowski com o rifle engatilhado e orelhas em pé, percorria o seu caminho em total solidão, exceto o crepúsculo, diria um poeta japonês.
Num aclive acentuado dá de cara com um urso descendo a ladeira, de bicicleta. Foi tal o susto que teve um mal súbito, tomba na terra o velho marinheiro. Não sem antes disparar a arma que portava.
Dmitri vinha alegre pela estrada, embriagado da nostalgia comum a todos ex-ursos de circo, chegou a ouvir os aplausos do público, em especial as crianças, e os até mesmo os acordes da banda. De súbito depara com aquele vulto. O urso nem teve tempo de reagir, caiu com bicicleta e tudo em uma vala da estrada.
De longe se ouviu um disparo e um revoar de pássaros, e novamente o silêncio.
Na manhã seguinte alguns funcionários da Münchhausen Und Sohn encontraram os dois corpos. Ambos morreram de susto recíproco.

domingo, 5 de dezembro de 2010

John Noel Winston de Medeiros Lennon Rosa; semelhanças

Há cem anos nasceu Noel, há 30, Lennon morreu.

Por José Weis

Nos primeiros dias de dezembro, efemérides sobre dois gênios da historia da música popular do século XX se entrecruzam. Ambos têm proximidades em suas trajetórias que vão além da arte que os fez celebres.
Os dois eram filhos de classe média, ”que não seja requentada”, emendaria Noel. E John, apreciaria o trocadilho? Ambos nasceram em cidades portuárias e sob situações belicosas. Noel nos dias posteriores à Revolta da Chibata. John nasceu durante a Segunda Guerra, quando a Inglaterra sofria pesados bombardeios da força aérea de Hitler. Era o dia 9 de outubro de 1940.
Os dois tinham consciência de sua classe social, bastante talento, senso de humor e deixaram canções que ultrapassaram seu próprio tempo. Essas, mais do que modernas, são eternas: Conversa de botequim, Palpite infeliz e Três apitos, de Noel; Imagine, Give peace a chance e Working class hero, de John, são exemplos disso. Claro, cada qual no seu quadrado.
Também foram dois artistas que souberam fazer uso da mídia de suas respectivas épocas. Ambos gostavam de mulheres, de desenhar e de alguma birita. Ambos morrem jovens, Noel, aos 26 anos, de tuberculose, no dia 4 de maio de 1937. Como outros talentos de seu tempo, ele viveu e morreu na prontidão. Deixou uma viúva, Lindaura, com quem se casou “na polícia” com se falava à época.
John, aos 40 anos, morto à bala, no dia 8 de dezembro de 1980. Foram embora muito sedo pelo que deixaram na sua breve passagem. Cada um deixou o seu legado ao Brasil e ao Mundo.
Noel morreu na casa em que nasceu no bairro da Vila Isabel, cidade do Rio de Janeiro. Não deixou herdeiros. John nasceu em Liverpool e foi assassinado em Nova York, onde vivia como cidadão do mundo e rico. Casou-se duas vezes, deixou dois filhos e uma viúva, Yoko Ono.
Noel veio ao mundo no dia 11 de dezembro de 1910. A então capital da República havia passado recentemente por momentos de tensão, sob ameaça de bombardeio. Não fosse o bom senso de João Cândido, líder da Revolta da Chibata, talvez houvesse a morte de muitos cidadãos cariocas inocentes em meio aquele conflito. Seu nome foi lhe dado em alusão à proximidade do Natal, Noël, em francês.
Qualquer semelhança com dias de hoje não é, nem de longe, uma coincidência, diga-se. O fato é que dona Martha já estava nos últimos dias de sua gravidez, e no mínimo apreensiva com o que poderia acontecer a ela e seu filho. Infelizmente coração de mãe se engana, o parto foi difícil e o bebê nasceu sob fórceps. O médio não evitou que o queixo do recém nascido sofresse fratura e afundamento do maxilar. Essa marca na cara, o autor de Com que roupa? levaria pelo resto da sua vida.
John Lennon é universal, sua canção, Imagine, ou o seu credo às avessas, God, são tão geniais que - mesmo traduzidas em qualquer idioma, funcionam. Noel Rosa é gema pura, único. Ou alguém pode pensar em Um gago apaixonado, cantado em inglês? Acho – acho nada, quem acha vive se perdendo, é Noel quem me cutuca. Penso! Que nem mesmo Frank Sinatra conseguiria. Como o próprio Noel avisou: Não tem tradução.

domingo, 28 de novembro de 2010

Homenagem ao Dia do Guaíba 28 de novembro:

O riolago Guayhba

Nada exige para sua contemplação
apenas a cumplicidade do silêncio
tanto faz numa tarde cinza de agosto
ou numa exposição ao sol de abril
ele chega de mansinho
assim como veio já não está mais
extensão quase sem fim,
sua água é seu chão
sua pele é líquida
esse é um riolago, um altar
plano, profundo, profanado.

Porto Alegre, novembro de 2010.

sábado, 20 de novembro de 2010

Aviso aos internautas

Este blogueiro não acata na sua integridade o recente acordo ortográfico da língua portuguesa.

Navegantes

Tarde quente de fevereiro, eu no Mercado Público, em pleno bar Naval. Necessitava de dinheiro, precisava não beber. Sem grana, garganta seca. Prometi que não ia beber. Não foi pra minha mulher, não. Foi pra mim mesmo!
Suado, cansado de dar pernadas por aí. Louco de sede, e todos estes a beber à minha volta. Tenho um livro raro na mão. Foi o Gordo quem marcou comigo no Naval, o filho da puta, foi de propósito. O Gordo de Quaraí sabe atucanar a gente – até parece um traficante que vai me passar um bagulho, sabe que tenho uma coisa boa. O livro pesa na minha mão, a sede por cerveja, uma vontade de beber e a força para não beber.
O livro ainda está em bom estado, é Os Ratos, de Dyonélio Machado, que foi médico de louco, era comunista, foi preso e tal. Não é bem um livro raro, só que o que eu trago comigo tem o autógrafo do cara. Isso mesmo, tem a assinatura do homem e uma data: Porto Alegre, 11 de maio de 1947. Já li mais de uma vez, foi sorte ter achado o livro, sempre gostei dele.
E eu aqui, livro na mão, louco por uma cerveja, sem grana, merda – como este Gordo de Quaraí demora. Até parece a situação do cara da história do livro, sujeito endividado como o leiteiro, vê se pode, dívida de leite? E vai à luta pra juntar a grana, no fim consegue, será que eu consigo?
Numa outra mesa tem um sujeito com cara de funcionário público, um conhecido de copo e de bar. De repente ele me estende o braço, me oferece um copo de cerveja. Um raio de sol transpassa o copo, pedindo pra ser bebido. A minha sede, a minha vontade de não beber mais. Recuso discreta e educadamente. E o tal do Gordo que não chega nunca.
A enorme figura do Gordo de Quaraí adentra pelo Naval, me cumprimenta de forma gentil, o interesseiro. Foi jogo rápido, já tínhamos acertado valores. Negócio fechado, o livro com o Gordo, o dinheiro na minha mão. A sede, a vontade e a contra  vontade, tudo balança. Amanhã é feriado de Navegantes e eu aqui no Naval vendo se consigo descolar um troco. A grana, a sede, a vontade. Mas não bebo, saio em seco.


Ave, Ira, santa Ira!



O grupo Ira! faz um retorno às origens no seu mais recente (quem sabe o último) CD, Invisível DJ. Estão mais vivos do que nunca o vigor dos riffs de guitarra, um rigor das letras entre indignação, protesto e ingenuidade. São a mistura de posturas e leituras pós-adolescentes com atitudes adultas contemporâneas. Enfim, o jeito mod do grupo paulista Ira! está de volta. Assim como a levada rock e o toque de suas baladas. Invisível DJ (Universal, 2007, R$ 30,00) é um CD enxuto.
Rebelde desde seu primeiro disco (era assim, em 1985) Mudança de Comportamento, que falava em coisas como “Ninguém precisa da guerra”, assunto que é sempre uma antiga novidade.
Após mais de duas décadas de acordes de sua guitarra indelével, Edgar Scandurra, Nasi nos vocais, ao contrabaixo, Gaspa e André Jung na bateria. Eles ainda cantam que “Você votou em mim/ Eu te decepcionei/ Você vai acreditar se eu te disser que mudei?”, em O Candidato.
Invisível DJ está carregado de releituras, que funcionam bem. A começar pelo título do CD, que faz uma alusão ao disco solo de Scandurra, Amigos Invisíveis, de 1989. Aliás, é desse vinil que se faz uma cover de Culto de Amor – parceria de Edgar e Taciana Barros. Canção que celebra; “Procuro me desarmar /Ando em busca de paz/ (...) A verdade vem no seu beijo/ Você em minhas mãos /Eu juro que não tenho medo”. 
Outra cover que caiu muito bem ao Ira é Feito Gente; “Feito gente/ Feito fase /Eu te amei como pude”, do antológico disco Revolver, de Walter Franco, lançado em 1975.
Uma caprichada apresentação gráfica de André Nassar faz uma homenagem à capa e conceitos de Ou Não, emblemático disco do mesmo Walter Franco, de 1972, um dos malditos daqueles tempos difíceis.
Nem só de reprises vive Invisível DJ, na linha que indica uma tradição do grupo, a faixa de abertura, que dá título ao mais recente trabalho do Ira, “Três ou quatro ônibus por dia /Já na rua às cinco da manhã/ Segue assim feliz a sua rotina/ Embalada ao ente ao som do Invisível DJ”, o cotidiano dos quase-excluídos da grande cidade. Com esta mesma temática há uma parceria assinada por Scandurra e Arnaldo Antunes, Saga.
Uma canção com jeito de balada country é Mariana Foi por Mar, soa algo exótico, mas a letra funciona bem; “Mariana foi pro mar/ Deixou seus bens mais valiosos como cachorro”.
Inda cabe um registro, a canção com letra em espanhol, de Edgar Scandurra, “La Luna Llena”, que também fala em caminhadas pelas ruas. São muitos os caminhos percorridos pelo Ira, mas sua trajetória é sempre na busca de um possível. Às vezes bem vindo e previsível. Por isso, para o bem, não mudou. (texto inédito, de 2007)

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Diário de viagem 2010:



Desventuras de um caçador da parabólica perdida na fronteira do Brasil com países do Prata. 
Uruguaiana, Hotel Aliança – Quarto 105, sábado, 6 de novembro. Esta é a terra do poeta e soldado Alcêu Wamosy, nascido aqui em 1895 e morto durante a Revolução de 1923, em Santana do Livramento. Primeira informação recebida. Fiz o reconhecimento do Setor de trabalho, faz calor. A tarde de trabalho rendeu pouco. Esta é a primeira vez em que faço este tipo de pesquisa e a cidade também é inédita para mim.
Na praça da Rodoviária tem um monumento em homenagem a Don Quijote de La Mancha, é uma escultura que lembra os guerreiros de Xico Stockinger (1919-2009).
Bagé, domingo 7 de novembro. É cidade histórica, com altos e baixos na sua topografia, ou seja; tem lombas. Essas, sob o sol, são politicamente incorretas. Calor e trabalho que rendeu mais do que o que foi realizado em Uruguaiana.
Hoje terminei minha leitura de Recordações do escrivão Isaías Caminha, de Lima Barreto, trata-se de um impressionante e preciso flagrante do que a grande imprensa, do que ela foi há éculo e do pouco que mudou, pelos menos dentro das redações. Assim ainda são as relações entre os “coleguinhas”.
Uruguaiana, lunes 8 de novembro, hoje o trabalho rendeu, na manhã que foi muito quente e na tarde que foi tórrida. Sou um caçador da parabólica perdida, ou pesquisador do IBOPE – ENTREVISTADOR MÍDIA, conforme e-mail recebido. No café da manhã, no hotel, vi um gauchão dos típicos, o taura, totalmente pilchado, enfiava cara no café não levantava nem o olho. Com um melena que mete respeito e o chapéu de barbicacho descansa na cadeira ao lado. Só faltou o pingo amarrado na porta.
À noite, durante o jantar, num bar com mesas e cadeiras na calçada, ouvi de uma mesa ao lado três sujeitos falando animadamente em árabe, numa outra, dois caras com jeito e fala de ratos contavam vantagens sobre o triste fim de mais “um vagabundo”.
Na estrada, martes, 9 de novembro. Amanheço em plena ponte rodoviária Uruguaiana - Bagé, são 12 horas com a bunda colada num ônibus. Com direito a paradas em Quaraí, Santana do Livramento e Dom Pedrito. Um dúzia de horas, ida e volta entre as duas cidades. Abordo muitos sotaques, cores e roupas distintas.
Já em Bagé, abaixo de chuva e muito vento, a temperatura ontem era de quase 40 graus, clima seco. Em Bagé, à tarde, fazia 13 graus, a gente é sobrevivente. Meu trabalho segue seu rumo também em Bagé. 
Expresso São João
Antes que um cielo al revés
o pampa é um deserto pelo avesso
o sol poente incide sobre tudo, todos
inclusive àquele casal de emas
passeando distraído
e o cusco à espera do amo
na beira da estrada
em meio ao quase nada
 são milagres poéticos para quem mira
desde a janela de um ônibus.
Uruguaiana, míércules, 10 de novembro. Um dia lindo com a temperatura agradável, a primavera repousa na fronteira. E também tenho um direito à folga. Parece um sonho realizado; trabalho, viagens por este mundo velho sem fronteiras, a mulher amada e o cachorro querido na base, Porto Alegre, na espera e na torcida.
E agora, direto de uma ficha do Arquivo Histórico e Público, Centro Cultural Dr. Pedro Marini e do Acervo de Raul Pont (pai):
ALCÊU WAMOSY (1895-1923)
Poeta e jornalista, foi diretor de “A República”, órgão do Partido Republicano da cidade de Santana do Livramento. Morto no dia 13 de setembro de 1923, em conseqüência de ferimento recebido no entrevero, em Livramento- RS. Idealizado por um grupo de poetas, foi instalada em abril de 1945, no Auditório da Associação Brasileira de Imprensa, a Fundação Alceu Wamosy. Obras: Flâmulas (1913), Na Terra Virgem (1914) , Coroa de Sonho (póstuma – 1923) . Sendo as três primeiras elaboradas em 1940, Livramento – RGS. Nova, edição 1945.
Abaixo um exemplo de um soneto, perfeito na forma e conteúdo, “mas não necessariamente revolucionário”, diria Maiakóvski. O poema Duas Almas, digno de releituras com a que fez certa vez um tal de Lupicínio Rodrigues. Nada mal para um poeta e soldado, Um sujeito que “quando estoura a revolução de 1923, seus sonhos de êxitos futuros serão truncados de maneira brutal. O combate de Poncho Verde, dia 3 de setembro, faz tombar, num lance de heroísmo, varado por uma bala inimiga, aquele cavaleiro do sonho misto de lutador, de apóstolo e de artista. Recolhido ao Hospital da Cruz Vermelha Santanense, consegue recuperar-se e decide antecipar a data do casamento, previsto para dezembro.
Ao invés do vestido de noiva, Maria Bellaguarda, a musa de Coroa de Sonho, diante da emoção de todos os presentes, ostentava, um simples uniforme de enfermeira.
No dia 13, ás primeiras horas da manhã um colapso cardíaco faz silenciar para todo o sempre aquela alma de poeta e herói”. (Rodrigues Till, editor e biógrafo de Alcêu Wamosy, in Cultura – Segundo Caderno, jornal Zero Hora de 18 de fevereiro de 1995)
Duas Almas
Ó tu que vens de longe, ó tu que vens cansada,
entra, e sob este teto encontrarás carinho:
Eu nunca fui amado, e vivo tão sozinho.
Vives sozinha sempre e nunca foste amada...
.
A neve anda a branquear lividamente a estrada,
e a minha alcova tem a tepidez de um ninho.
Entra, ao menos até que as curvas do caminho
se banhem no esplendor nascente da alvorada.
.
E amanhã quando a luz do sol dourar radiosa
essa estrada sem fim, deserta, horrenda e nua,
podes partir de novo, ó nômade formosa!
.
Já não serei tão só, nem irás tão sozinha:
Há de ficar comigo uma saudade tua...
Hás de levar contigo uma saudade minha...


ALCÊU WAMOSY
(1895 — 1923)

 Nasceu em Uruguaiana (RS), em 14/02/1895; e faleceu em Livramento (RS), em 13/09/1923. Publicou seu primeiro livro de poesia, Flâmulas, em 1913. Na época já trabalhava como colaborador no jornal A Cidade, fundado por seu pai, em Alegrete (RS). A partir de 1917, tornou-se proprietário do jornal O Republicano, apoiando o Partido Republicano. Continuou colaborando para diversos periódicos, como os jornais A Notícia, A Federação, O Diário e a revista A Máscara.

Alferes republicano, lutou na Revolução Federalista, combatendo em Santa Maria Chica, Pontes do Ibirapuitá e Ponche Verde, onde foi ferido — ferimento este que provocaria a sua morte. Publicou as obras poéticas Na Terra Virgem (1914) e Coroa de Sonho (1923).

Postumamente foram publicados Poesias Completas (1925), pela editora Globo, e Poesia Completa (1994), em Porto Alegre, na “Coleção Memória”, da EDIPURCS. Poeta simbolista, Alceu Wamosy escreveu poemas cheios de desencanto, em uma produção que se destacou no sul do país e que é uma das obras mais significativas do Simbolismo brasileiro, sendo o seu soneto “Duas Almas” um dos mais belos produzido em língua portuguesa.

Enedy Rodrigues Till é o pesquisador que melhor estuda a obra de Alceu Wamosy.
 

Paso de Los Libres, jueves, 11 de novembro. Na praça em frente à Intendencia Municipal há muitos monumentos.  Um deles é para Evita Perón, jefa espiritual de la nacion argentina. Outro é em memória dos mortos na Guerra das Malvinas (1982). Todos da classe de 1961, 1962. Que covardia, uns meninos que morreram quase que inutilmente, não fosse a queda imediata da sanguinária e militar ditadura argentina. Encontro quase todo cerrado, és la hora de la siesta, che. Hay una iglesia de San José em la ciudad, entrei e orei. Atravessei a ponte internacional e foi lá que vi, nesta estada, pela primeira vez um trem passando, era um cargueiro, é claro.
Depois bebi una Quilmes, comprei un vino malbec e o não, de sábado (6/11), suplemento cultural del Clarin. Estivo em la República Argentina, por supuesto!
Uruguaiana,viernes,12 de novembro. Se praga de urubu não mata cavalo gordo,aqui nesta região, estas aves planadoras que são o símbolo do Flamengo passariam muito mal, os puxadores de carroça são gordinhos e parece que bem tratados pelos seus condutores.
O trabalho está quase encerrado nesta cidade, que me acolheu bem. Hoje à tarde,vi passar um trem cargueiro, nos trilhos que cortam a rua Vasco Alves. Mais uma vez passe um tempo num dos pontos extremos do Brasil.
Uruguaiana, sábado, 13 de novembro. O recolhimento dos cadernos foi mais difícil do que previa. Houve reclamações, recusas e também que saísse de cena mais cedo, afina tinha um feriadão e calorão anunciados. Hasta siempre, río Uruguay!
Na estrada, de novo abordo do Expresso São João. Não que a de Porto Alegre seja um palácio de crista, mas quase nada é tão acanhada e feia como a Estação Rodoviária de Santana do Livramento. E olha, ou escuta, os sotaques, do tipo:-”daqui una hora estoy aí, preparáme un mate!...-“Chegando no centro, o senhor apeia na parada do Banco do Brasil”.
E na terra onde nasceu Dyonélio Machado – autor do Louco do Cati, parece que manda no pedaço é uma dupla pra lá de guaipecas, na Estação Rodoviária de Quaraí.
Em compensação a rodoviária de Don Pedrito tem uma aparência melancólica, ao entardecer. Chego em Bagé, já  passa das onze da noite, faz um pouco de frio. Depois de uma longa travessia, fico num hotel meia boca, que está a uma quadra da tal rodoviária que por sinal também é feia e desconfortável. No domingo já faz calor, o trabalho está truncado. Isso era algo esperado no dia em meio a um feriadão, mesmo assim é um saco! E o clima da campanha é sempre uma surpresa.
O que via ficar de toda esta caçada em busca da parabólica perdida? Aquele senhor analfabeto (vivendo numa cidade importante do RS, em plena década de 10 do século XXI)   que me recebeu todo desconfiado e enviou o caderno de pesquisa aos cuidados de sua advogada. A solidão de muitas pessoas, viúvas, viúvos, ora brigado com os filhos, ora tendo que cuidar dos netos. Um cavalo pastando solene no gramado da praça junto à rodoviária de Bagé. A descoberta de que em Uruguaiana talvez tenha e desfrute de um dos últimos cinemas de calçada, literalmente, do Brasil. Assistir no quarto do hotel cenas de O Gordo e o Magro, com Stan e Oliver falando em inglês, legendados em árabe. Histórias mais humanas como daquela senhora de 80 anos, que ganho do patrão, a quem conhece desde de guri, uma televisão nova “pra ver a copa, a teve antiga tinha chuvisco”. 

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

GAVETA DE REPÓRTER:



Dez perguntas para Mino Carta

(Por José Weis, Porto Alegre, março de 2010, no Studio Clio.)

“O Brasil tem a pior elite do mundo”.
01- Como se pode avaliar a imprensa no Brasil de hoje?
De modo geral acho o jornalismo brasileiro, no momento, de péssima qualidade. Esta é a minha visão das coisas, é provável que eu seja um pretensioso que se arrisca a julgamentos apressados. Mas eu acho muito ruim e convido quem estiver interessado a fazer comparações a, por exemplo, confrontar os diários brasileiros ditos da grande imprensa com os grandes diários do mundo. E a diferença é chocante. E eu acho que isso não acontece por acaso, esta decadência da mídia brasileira. Ela não ocorre por um jogo malvado do destino. Ela se dá porque houve apostas erradas.
02 - Há mais de 30 anos na revista Isto É, que você editava, saía em destaque um líder metalúrgico que hoje completa seu segundo mandato como presidente da República? Lula conseguirá eleger Dilma?
Eu acho que o Lula representou uma ruptura na história política do país. E é uma ruptura que para mim tem a ver com a própria personalidade dele, o que ele representa e como ele é. Então, pela primeira vez na história do Brasil não se elegeu um bacharel engravatado. Essa é uma mudança notável que dá, no fundo, até mesmo a revelia do Lula.
Eu acho que ele vai transferir esta característica dele, esta força que ele mostrou, repito, a revelia dele mesmo para a Dilma. Eu acho que a Dilma vai ganhar as eleições. Não creio que o governo Lula tenha sido ideal, ou seja, o Lula esteve aquém das minhas expectativas, embora eu goste muito dele, e tenha sido o primeiro jornalista brasileiro que viu nele o líder que ele pode ser, e é. Acho que a despeito das falhas do Governo Lula, de não ter sido aquele que eu gostaria que ele tivesse sido. Mas fez um governo melhor do que todos os precedentes. Com exceção, estranhamente – e digo isso porque alia há um conflito que se instala dentro de mim mesmo. Que é o governo de Getúlio Vargas.
03 -Lula é presidente em uma época que a mídia tem muita força. A propósito, como vai a televisão no Brasil?
Lula, além de tudo, tem este singular poder, de ter mostrado que mídia brasileira não alcança o povo. E acho que a mídia brasileira não se apercebe disso. Então, se você falar de imprensa, ou seja, de papel impresso, ela alcança uma fração muito pequena da nação. A televisão chega mais longe, mas chega por intermédio da novela, mas o Jornal Nacional não chega. E isso mostra porque Lula, a despeito que todo o esforço que a mídia faz para diminuí-lo, para criar problemas, para impedir que ele faça o seu sucessor. Apesar disso tudo, Lula continua impávido no topo das pesquisas.
04 - E quanto aos projetos sociais, tipo bolsa família e as cotas, o país vive tempos democráticos, já é um caminho andado?
A democracia brasileira não existe, isto é uma falácia. Mas virá, um belo dia virá. Um país onde apenas cinco por cento da população ganha de oitocentos reais para cima não pode haver democracia. O mais importante do ponto de vista social do governo Lula foi abertura do crédito, porque a bolsa família sempre tem um pouco de sabor de esmola.
05 - Esta mesma mídia, que não consegue alcançar o povo brasileiro, vive agora uma nova situação. Como você avalia a não obrigatoriedade do diploma de jornalismo para exercer a profissão, conforme decisão do Supremo Tribunal Federal?
Não é que eu tenha uma boa opinião a respeito do Ministro Gilmar Mendes. Em relação a muitos outros, por exemplo, o novo presidente do Supremo o Peluso, que vem aí, esse é um jurista de grande qualidade, no meu modo de ver as coisas, ao contrário de Gilmar Mendes. A questão do diploma de jornalista é uma questão que transcende a atuação do Gilmar Mendes como presidente do Supremo. Eu sou contrário ao diploma, sempre disse muito claramente isso, não porque não fiz uma escola de jornalismo, estudei Direito. Jornalismo se aprende nas redações. Acredito que possa haver cursos de jornalismos muito bons, significativos e importantes para a profissão, mas num nível de pós-graduação. Não a credito numa escola de jornalismo em si.
06 - Falando em garotada, como é que vês esta permanente juvenilização nas redações? Não há mais trocas de experiências?
Houve jornalistas brasileiros de grande qualidade que souberam transmitir o seu saber aos mais jovens. Eu não vejo que isto esteja acontecendo hoje. Eu costumo fazer uma diferenciação entre a imprensa, que é o papel impresso, e mídia é eletrônica, o rádio. Eu acho que a mídia está atrelada a um pensamento superado, anacrônico. Está na mão de velhos senhores, ainda amarrados a uma concepção oligárquica da política brasileira. Você a mídia em geral alinhada numa posição só, única, diante daquilo que eles consideram um risco comum eles agem. E temos quatro, cinco sei empresas jornalísticas que estabelecem suas regras e estão perdendo o terreno. Estão se afundando gloriosamente para minha alegria.
07- Você continua pintando seus quadros. Como vê as artes plásticas hoje em dia?
Parei de pintar, faz quatorze anos que não pinto. Em São Paulo, um marchand está querendo montar uma mostra retrospectiva de coisas minhas pintadas ao longo da vida. Eu tenho o hábito de visitar museus quando viajo, considero a arte contemporânea de péssima qualidade. Não tenho o menor interesse em ver uma caixa de vidro cheia de água ou nada, ou um cadáver de um tubarão. No entanto, isso vale hoje 12 milhões de dólares. Isso não me interessa é uma besteira inominável, que faz parte desta imbecilização do mundo.
08 – O ano de 2010 também é de Copa do Mundo, como analisa o futebol atual, onde um garoto brasileiro de repente vira quase um milionário europeu. Como vai o futebol?
Primeiro eu torço muito para que muitos garotos tenham a desventura de participar desta aventura. Mas evidentemente que o futebol está na mão de uma máfia. O futebol também é um sintoma deste aviltamento dos princípios. É a entrega do esporte a quem lava dinheiro. Senhores como Joseph Blatter, da FIFA, e Ricardo Teixeira CFF, em outro país eles estariam presos. Como os chefes da máfia siciliana que estão todos nas prisões. Só imagina o que vai ser o Mundial no Brasil, com gente desta laia, vão fazer porcarias inomináveis.
09 – No ano do seu cinquentenário, Brasília fará uma grande festa, mas sem a presença de seu governador que está preso? É algum sintoma que algo esta mudando?
No fundo é o resultado de algo inevitável. Porque a própria Brasília é uma história nefanda. É uma história triste de um projeto muito ambicioso, que já nasceu mal, porque ali houve corrupção evidente, Brasília neste ponto de vista é muito emblemática, simbólica mesmo. Com esta vocação de corrupção que típica do poder, de resto, em qualquer lugar do mundo. Mas eu acho que as apostas do Juscelino Kubistchek foram todas erradas. Juscelino é um tardio epígino de Washington Luís, para quem governar significada construir estradas.
10 - E o Brasil, será que tem saída?
O Brasil tem saída inevitavelmente. Porque, não sei se é deus, há quem diga que é deus eu quero respeitar o pensamento de tantos que se trata de uma intervenção divina. Admitindo-se que se trata de deus, ele se esbaldou a favor do país. Quer dizer, os presentes que ele deu ao Brasil são incríveis. Toda hora ele dá um presente. O que torna o Brasil um país único e claramente protegido por deus. No entanto tem a pior elite do mundo. Porque, se tivéssemos tido gente que aproveitasse as dádivas do altíssimo, este seria o primeiro país do mundo. E não é por quê? Por causa de quem manda. E o povo, onde está a maioria? A maioria traz no lombo a marca do chicote da escravidão. Isso é grave. Vai levar tempo, mais é inevitável que o Brasil venha ser o paraíso. O Brasil é um país que ainda está em formação, que procura o seu destino e vai achá-lo.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Ampulheta

Escrevo por viver
não vivo se não escrevo
não vivo de tudo o que escrevo
se não escrevo, nada vivo
virar tudo isso
pelo
avesso
não
ajuda
não resolve
nem atrapalha
não escrevo tudo o que vivo
se não escrevo não vivo
vivo por escrever.