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quinta-feira, 10 de março de 2011

Encerro a trilogia Contos de propósito

Marquise




O coração do credor/ Bate no peito do devedor/ A dívida sempre por um fio/ Hepatite, cirrose ou isquemia/ Outro cheque frio, virou mania/ No preito do credor, um só alvo/ Que o devedor seja salvo! Meu amigo inventou essa oração “em devoção a São Naziazeno, protetor dos que devem na praça”, justificava sorrindo.


Publicitário com veleidades de um escritor falido, já teve muito e desperdiçou tudo. Perdeu o emprego, um apartamento e, por último, a mulher. Seu mal foi a birita, “arrimo da minha decaída”, na vida ele sempre brincou com as palavras.

Era uma sexta-feira, quase quatro e meia da tarde e ele ainda não tinha almoçado. Ficou sabendo que o Fagundes, um antigo chefe que o detestava, estava na fila de transplante de fígado. “Em pensei; vou até o banco de sangue e faturo um lanchinho depois”, contou. “Não contava com isto, na hora da entrevista, tive que dizer que andava tomando uns antibióticos”. Era para segurar uma inflamação na próstata. “Coisas da idade”, desfazia.

Ele saiu meio sem jeito e sem o sanduíche com suco. Já não tinha nem para o ônibus. Há muito tempo que andava a pé pela cidade. Começava a cair uma chuva fina e fria. Ele, que estava precisando de um banho, filou um cigarro e partiu. Procurava um abrigo ao subir a Rua da Ladeira. Foi a última vez que o vi.

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