Pages

sábado, 20 de novembro de 2010

Navegantes

Tarde quente de fevereiro, eu no Mercado Público, em pleno bar Naval. Necessitava de dinheiro, precisava não beber. Sem grana, garganta seca. Prometi que não ia beber. Não foi pra minha mulher, não. Foi pra mim mesmo!
Suado, cansado de dar pernadas por aí. Louco de sede, e todos estes a beber à minha volta. Tenho um livro raro na mão. Foi o Gordo quem marcou comigo no Naval, o filho da puta, foi de propósito. O Gordo de Quaraí sabe atucanar a gente – até parece um traficante que vai me passar um bagulho, sabe que tenho uma coisa boa. O livro pesa na minha mão, a sede por cerveja, uma vontade de beber e a força para não beber.
O livro ainda está em bom estado, é Os Ratos, de Dyonélio Machado, que foi médico de louco, era comunista, foi preso e tal. Não é bem um livro raro, só que o que eu trago comigo tem o autógrafo do cara. Isso mesmo, tem a assinatura do homem e uma data: Porto Alegre, 11 de maio de 1947. Já li mais de uma vez, foi sorte ter achado o livro, sempre gostei dele.
E eu aqui, livro na mão, louco por uma cerveja, sem grana, merda – como este Gordo de Quaraí demora. Até parece a situação do cara da história do livro, sujeito endividado como o leiteiro, vê se pode, dívida de leite? E vai à luta pra juntar a grana, no fim consegue, será que eu consigo?
Numa outra mesa tem um sujeito com cara de funcionário público, um conhecido de copo e de bar. De repente ele me estende o braço, me oferece um copo de cerveja. Um raio de sol transpassa o copo, pedindo pra ser bebido. A minha sede, a minha vontade de não beber mais. Recuso discreta e educadamente. E o tal do Gordo que não chega nunca.
A enorme figura do Gordo de Quaraí adentra pelo Naval, me cumprimenta de forma gentil, o interesseiro. Foi jogo rápido, já tínhamos acertado valores. Negócio fechado, o livro com o Gordo, o dinheiro na minha mão. A sede, a vontade e a contra  vontade, tudo balança. Amanhã é feriado de Navegantes e eu aqui no Naval vendo se consigo descolar um troco. A grana, a sede, a vontade. Mas não bebo, saio em seco.


0 comentários:

Postar um comentário